quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Comédia brasileira fala da periferia sem tiro ou sangue

Os quase cinco minutos iniciais em que aparecem os inventivos créditos do filme já diz muito do que vem em seguida. O caos urbano e seus protagonistas: uma família classe C e suas desventuras na tentativa de garantir o “pão nosso de cada dia”. Em “Família Vende Tudo” (2011), que chega às telas no próximo final de semana, o universo da periferia é retratado sem ter como mote a violência, tema frequentemente revisitado no cinema nacional quando se pensa no binômio pobreza/marginalidade.

Uma família de origem simples com dificuldades financeiras tem uma idéia: fazer com que a filha Lindinha engravide do famoso cantor brega Ivan Carlos, o rei do Xique. Porém, sua esposa e sua empresária resolvem frustrar o plano arquitetado pelos pais da moça e de seu irmão evangélico.


Os filmes “Cidade de Deus” ( 2002) e “Tropa de Elite 1 e 2” (2007 e 2010), ainda que tenham suas qualidades, muito bem reconhecidas por sinal, tanto um quanto o outro reforça aquela máxima frequentemente ouvida por aí, a de que “cinema nacional só mostra pobreza e violência” e que  não por acaso os conflitos transpostos tem como plano de fundo o universo das favelas.  Mas o cineasta nascido na França mas  radicado em São Paulo desde os 8 anos de idade, Allain Fresnot, “Desmundo” (2003), resolveu lançar um olhar diferenciado sobre o cotidiano de quem vive na periferia. E, para isso, se apropriou de uma história cujos personagens se desentendem e resolvem tudo na conversa sem se ouvir o disparo de um tiro.

O conflito existe e tem um fundo social. Faz parte da vida de muitos que moram na periferia, mas não se vê uma gota de sangue na tela. E o personagem com pinta de bandido que tinha tudo para cair no caricatural vivido por Ailton Graça, não desperta outra coisa que não seja simpatia. A proposta é fazer rir, e ainda que em alguns momentos nesta comédia, a piada escorregue no mau gosto, como por exemplo, a situação envolvendo a empresária lésbica e a esposa do cantor, não há como torcer o nariz quanto a fidelidade com que a vida de milhões de brasileiros é colocada no filme. 

Seus gostos por um determinado gênero de música, a predileção por um tipo de programa de auditório.  Se num primeiro momento tudo parece ser alvo de deboche, passado alguns instantes as situações fazem sentido na cabeça do espectador que compra o bilhete e embarca na ideia do cineasta, passando a ver boa parte da película como um quadro pintado com peculiares tintas cômicas cujas cores, dão o tom certo do olhar critico de Fresnot. Os bastidores do show business da música brega funciona muito bem dentro dessa proposta.

O elenco bem inspirado, principalmente Caco Ciocler que dá vida a Ivan Carlos, Robson Nunes como o irmão evangélico de Lindinha e mais Vera Holtz e Lima Duarte como os pais da garota. Todos imprimem tamanha veracidade em suas performances que a empatia é inevitável e imediata junto à plateia. A trilha bem humorada e inserida com precisão cirúrgica na narrativa, ficou a cargo de Arrigo Barnabé, ator e músico brasileiro expoente da vanguarda musical paulista surgida no início do anos 80 . Ele já havia colaborado com o diretor Alain Fresnot no filme “Ed Mort” ( 1993).

Apesar de ter recebido severas críticas da imprensa no sudeste do país (Rio e São Paulo), a produção foi bem acolhida pelo júri na 15ª edição do CINE PE, festival de cinema pernambucano que a laureou com os prêmios de melhor ator (Caco Ciocler), ator coadjuvante (Robson Nunes), trilha sonora (Arrigo Barnabé) e melhor direção de arte (Allain Fresnot e Fábio Goldfard).


Trailer:





Por Walter Ferrera

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